Uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual (MPE) e julgada procente pela juíza Célia Regina Vidotti, mostra que uma prática antiga de conceder estabilidade para servidores não aprovados em concurso público não era exclusividade da Assembleia Legislativa, pois se estendia também ao Governo de Mato Grosso. É o que mostram duas decisões da magistrada proferidas nos dias 12 de março e 7 de abril deste ano, num mesmo processo, declarando nulos os atos que efetivaram uma servidora que hoje tem salário de R$ 11,2 mil e já “conquistou o direito” à aposentadoria, conforme o próprio Estado sustentou nos autos.
A servidora em questão, B.A.S, está lotada na Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão (Seges-MT), num cargo de 40 horas semanais como profissional de desenvolvimento econômico e social. Ela e o Governo do Estado foram acionados como réus na ação protocolada em dezembro de 2019.
Na primeira decisão, a juíza da Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular julgou procedente os pedidos do MPE para declarar a nulidade de um decreto de janeiro de 2002, que enquadrou a servidora no cargo de técnico de desenvolvimento econômico e social. Também anulou outro decreto de 2011, que concedeu a ela a indevida estabilidade excepcional no serviço público, “anulando-se por arrastamento todos os atos subsequentes, tais como os de progressão e enquadramentos na carreira”.
Foi determinado ao Estado, que depois de notificado, num prazo de 15 dias, interrompesse o pagamento à servidora sob pena de incidirem, pessoalmente, em multa diária, no valor de R$ 5 mil. Por sua vez, o Estado recorreu com um recurso de embargos de declaração alegando haver omissão da sentença de Célia Vidotti, que teria desprezado o argumento de que a servidora teria adquirido o direito à sua aposentadoria.
Sustentou ainda que o despacho da magistrada não considerou a ressalva do Supremo Tribunal Federal (STF), com relação à nulidade de estabilidade de servidor que já preencheu os requisitos para a inatividade remunerada. Em sua nova decisaão, do dia 7 deste mês, a juíza Célia Voditti afirmou não vislumbrar a omissão alegada pelo Estado, “mas sim, a intenção de alterar a sentença de modo que lhe favoreça”.
Ela esclareceu que o fato de a servidora ter preenchido os requisitos para a aposentadoria, foi objeto de apreciação na própria sentença, ao dispor que tanto a concessão da estabilidade extraordinária, quanto os demais atos subsequentes concedidos à servidora, foram concretizados em afronta aos requisitos e princípios na Constituição Federal. “Assim, tais atos não se convalidam com o tempo. Constou ainda na fundamentação, que os atos declarados nulos de pleno direito retroagem à data em que foi emitido/publicado, não havendo, pois, o que se falar em modulação dos seus efeitos para que possam valer somente após o trânsito em julgado dasentença que declarou a sua nulidade. Desse modo, evidencia-se dospresentes embargos, a nítida pretensão de se rediscutir os fundamentos dasentença, o que não é permitido em sede de embargos de declaração”, escreveu Vidotti.
Ele ressaltou que os embargos declaratórios não se prestam para sanar inconformismo, tampouco para reanalisar matéria já decidida, senão para suprir omissões, aclarar obscuridades e desfazercontradições eventualmente existentes na decisão, o que, segundo a juíza, não restou demonstrado. “O que o embargante pretende, na verdade, é a reforma da decisão proferida e, para tanto, deve buscar os instrumentos legais plausíveis e suficientes, para areapreciação da matéria, na forma pretendida, o que é inviável por meio destes embargos. Diante do exposto, não havendo quaisquer vícios previstos no artigo 1.022, do Código de Processo Civil, a ser sanados, conheço dos embargos para julgá-los improcedentes, permanecendo a decisão embargada como foi publicada”, consta na decisão.